04/03/2011

Nós, os gaúchos: Os Cascavelettes

Pré-adolescentes com pompons coloridos, crianças com polainas e palhaços com maquiagem derretida tentam acompanhar a performance jaggeriana de Flávio Basso, vocalista d´Os Cascavelettes que entoa: E quando eu volto pra casa/ a minha garota está dormindo/ eu tomo uma latinha de cerveja/ que fome eu estava sentindo/ Aha, eu quis comer você/ Aha, eu quis comer você.

O playback termina, mas o grito de Flávio ainda ecoa pelos cantos do modesto estúdio da TV Manchete Aha, eu quis comer você! enquanto as crianças estão em guerra fria com os (des)animadores de palco na vã esperança de ganhar um brinquedo da Estrela. A apresentadora, com uma saia colegial e uma borboleta enfeitando o microfone dá às boas-vindas a banda:

- São todos do sul, né? São todos gaúchos... e agora com música nova, né?
- É.. Eu quis comer você.... é nome da música.
- Olha só, que barato... vamos ouvir mais um pouquinho de Cascavelettes! Aqui no Clube da Criança!!

E Angélica, a última virgem , canta alegremente o refrão curto, grosso e explícito: Aha, eu quis comer você!! Naquele fim de tarde, Angélica chegou perto da sétima efervescência com o futuro Júpiter Maçã. 



Rock´aula: de quando o melhor também era pra export.

Martha Medeiros, Chimarruts, Sheron Menezes e Ronaldo de Assis. O século XXI não tem sido piedoso com o mainstream gaúcho, expelindo para além do Mampituba figuras pálidas, representantes indignos da cultura local: alguns sem virtude, outros sem criatividade e todos sem personalidade.

Mas nem sempre o melhor ficou aqui. Nos idos dos anos 80 exportamos malemolência e manjação suprema personificada em Renato Portaluppi, a poesia concretista em versos abstratos de Humberto Gessinger, a prosa intimista e reflexiva de Lya Luft e o rock explícito e visceral d´Os Cascavelettes de versos memoráveis: eu quero te estuprar com muito carinho/ te estuprar com muito cuidado/ te estuprar, por causa da dor (Estupro com carinho).

Com Flávio Basso (vocais e contrabaixo), Nei Vansoria (guitarras e vocais), Frank George (teclados e vocais) e Alexandre "Lord" Barea (bateria e vocais) Os Cascavelettes seguiram o papa Nei Lisboa e os companheiros de noitadas no Bar Lola, e atravessaram o Mampituba. Mantendo a integridade artística no seio do mainstrean brasileiro, maior temor das bandas “daqui”, e até  emplacando a canção Nega Bombom na trilha sonora da novela global Top Model (iriam dividir o LP com o mestre Nei Lisboa se este topasse em gravar a malfadada Hey Jude). Os puristas que me perdoem mas poder cantar sem censura e com pose sacana num programa infantil Eu quis comer você é erigir em mármore um monumento a integridade artística. 

Em rocks fulminantes inspirados nas fases viscerais dos Beatles e Rolling Stones, as letras de Flávio Basso e Nei Van Soria pareciam flertar com o machismo, mas a segunda audição logo percebemos que a banda resgata o espírito anárquico, simples e sensual do rock and roll. Evocado nas memoráveis apresentações ao vivo da banda, como observou Marcel Plasse, comentarista da revista Bizz: ..ao vivo são um inferno! Flávio Basso se transforma num clone de garagem turbinado de Mick Jagger, mimetizando o gestual do cantor como se tivesse assistido mil horas de clips e shows em sessão contínua, madrugadas a dentro. Nei Van Sória e Frank Jorge fazem os backings na cadência dos yeah-yeahs dos beatles. E o baterista Alexandre Barea incorpora Keith Moon. As mocinhas gritam e arrancam os cabelos!

Menstruada, o primeiro hit da banda - ela disse hoje não meu tesão/Mas eu disse hoje sim, por que não?/Além disso eu passei toda a tarde/Estudando pro vestibular/E essa noite eu dediquei a te agarrar era um cartão de visitas do que estava por vir: letras abusadas e diretas, quase pornográficas, sem meias palavras ou sacadas de duplo sentido que viriam a dominar a década de noventa (boquinha da garrafa, dança da cordinha, concurso de camiseta molhada,  sabonetes na banheira).

Em uma discografia irregular Os Cascavelettes cantaram desventuras, angústias romances frustrados e desejos reprimidos dos adolescentes. Afinal, quem não sonhou em ser o rei/rainha da sacanagem e matar alguém de tesão? Ou pediu pra ser estuprada com carinho? Flavio Basso e Nei Van Soria descobriram a fronteira entre o machismo deplorável e o elogio safado: pode chamar de vagabunda, mas admita que gosta. 

  1. Sob um ceu de blues;
  2. Homossexual
  3. Pombo Surfistas
  4. Eu quero estudar
  5. Minissaia sem calcinha
  6. Entra nessa
  7. Barata
  8. Estupro com carinho
  9. Banana Split
  10. A última virgem
  11. Menstruada
  12. O dotadão deve morrer
  13. Ugagogobabago
  14. Morte por tesão
  15. Cavadão
  16. Nega Bombom
  17. Minissaia sem calcinha (ao vivo)
  18. O dotadão deve morrer (ao vivo)
  19. darling
  20. A ultima virgem
  21. Morte por tesão
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3 comentários:

Débora! Tá demais!!! Muito bom seu texto!

Olha só, quem diria que alguém do fórum curtisse Cascavelettes e Flávio Basso, e ainda mais a mestra, haha. Grata surpresa.

Oi Vi!
Obrigada pelo coment.
Cascavelettes e o Júpiter são muito fodas! Adoro!
Aqui em Porto Alegre volta e meia tem show do Tenente Cascavel (um misto dos caras da TNT com Cascavelletes), ainda não fui conferir pois não me chama muita atenção ter que ouvir TNT além de não ver o Jupiter.

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