27/12/2010

A tristeza que balança: Elza , Grêmio e os Manés

O filho ingrato à casa torna. E ela aguarda alegre e de braços abertos, ensurdecendo para as mágoas, como mulher de bêbado que cultiva, orgulhosa, suas ‘’marcas de amor”. Como as mulheres sofridas de Chico Buarque,  o Grêmio esquece o bafo de cachaça, tira o pó dos retratos e abre os braços aos Assis.  Sob novas juras de amor, esquece que foi traído três vezes por um punhado de dólares  e agora, depois de um ocaso de quatro temporadas, os Assis querem voltar ao Olímpico para garantir tempos de paz e pagode na provinciana Porto Alegre.

Casos de amor, ódio e traição fazem a alegria do público e da imprensa especializada: os Assis x Gremio e Ronaldo x Flamengo são eventos marcantes da trairagem descarada no mundo do futebol. E o que dizer quando música e esporte se unem numa história de tragédia, traição, violência e redenção? Elza Soares e Mané Garrincha protagonizaram um romance que ultrapassou o rompimento da relação e foi um empecilho na carreira nacional da cantora. Maltratados por gênios do futebol, Elza e o Grêmio se unem na dor de lamber as feridas e dão a outra face na esperança de ganhar beijos ao invés de tapas.

É difícil quantificar se Elza Soares tem mais melodramas ou cicatrizes de cirurgias plásticas em sua vida. Paupérrima, dona de uma voz rouca, rasgada, de grande extensão aperfeiçoada enquanto carregava latas de água na cabeça balbuciando sons ao ritmo daquele balanço; Elza teve seu primeiro filho aos 12 anos, começou a cantar profissionalmente em shows de calouros no rádio enquanto seu primeiro casamento desmoronava abaixo de pancadas.
Enfim viúva e mãe de sete filhos, em 1958 Elza passou uma temporada de sucesso na Argentina brindada com a trairagem do  empresário da turnê, obrigando-a a cantar na Ricoleta em troca do dinheiro da passagem de volta. De volta ao Brasil, em 1960 Elza emplacou  relativo sucesso após o álbum Se acaso você chegasse, fez dueto com o mestre do jazz Louis Armstrong e em 1962 tornou-se a ilustre concubina de Mané Garrincha.

A história de amor e perdição entre o Grêmio e os Assis é menos ilustre, mas não menos polêmica: o jovem meia esquerda Roberto de Assis logo cedo corneou o clube que o revelou ao fugir para o Torino no intuito de forçar o presidente gremista Paulo Odone a assinar um contrato milionário. Relevando a instabilidade econômica que assolava o Brasil no final da década de 1980, Odone assinou contrato que incluía também uma casa para a família Assis Moreira - local onde o patriarca dos Assis morreu ao cair na piscina vazia em 1989. Com uma proposta mais tentadora, Assis forçou sua saída do clube para jogar no inexpressivo futebol suíço. Era o primeiro tapa à mão estendida.

Também em terras alpinas outros boleiros fizeram história, no caminho inverso de Assis. Nos idos de 1958, Garrincha e Pelé conquistaram a Jules Rimet e o lugar na cama de algumas suecas. De volta ao Brasil, o Rei e do Anjo de Pernas Tortas começavam a trilhar caminhos diferentes: Pelé acumulava títulos, excelentes performances e contratos publicitários; ao passo que Garrincha colecionava filhos, mulheres, martelinhos de cachaça e era explorado pelos dirigentes do Botafogo - época em que o negócio era mais rentável aos clubes do que aos jogadores.  

A profissionalização no futebol é questão recente, da década de 1970 pra cá e teve seu marco com a transferência de Pelé para o clube norte-americano Cosmos. O mesmo Edson Arantes que no começo do milênio instituiu a Lei Pelé, visando conceder a “alforia” dos jogadores ao tornarem-se proprietários do passe. Na prática, o passe dos boleiros só mudou de dono e os clubes formadores não se adequaram a nova lei. Os Assis  aproveitaram a brecha para cuspir no Grêmio pela segunda vez: entre juras de amor e de fico Ronaldinho e o irmão Assis, agora seu procurador, assinaram pré-contrato com o Paris Saint-Germant  e deixaram o Grêmio de mãos abanando sem pagar um centavo pela formação.

Sem dinheiro também, mas com muitos tapinhas no ombro e alegria, Garrincha carregou a seleção brasileira de 1962 no bicampeonato – Pelé sofreu uma contusão e assistiu a Copa no banco de reservas -  e voltou ao Brasil com a taça e uma musa na bagagem: Elza Soares. A paixão era tão intensa que a primeira vez do casal durou dias e só acabou porque os dirigentes do Botafogo foram à casa de Elza junto com a imprensa para ‘’resgatar Garrincha da Gomorra’’.

Inconseqüente e alegre, como o brasileiro gosta, Garrincha apresentou Elza à mulher e os filhos e a polemica do concubinato público e consentido foi o tema do ano na Cruzeiro, Fatos e Fotos e afins. Elza assumiu o posto de mulher de malandro (ou seria de Mané?) e deu a cara a tapa em todos os sentidos. Alegria e inconseqüência é também o que encantou os brasileiros e metade dos sulistas nos anos de ouro de Ronaldinho Gaucho.Duas vezes eleito melhor jogador do mundo, Ronaldinho era símbolo do futebol moleque dentro e fora de campo: noitadas, beberagem, corpo mole, são marcas que ele deixa nos clubes que passa. E agora, o Grêmio quer de volta a molecagem do clã Assis.

Molecagem de Garrincha que sempre foi perdoada. Acossada pelos paladinos da moral e bom costume como uma “destruidora de lares” e responsabilizada pela “perdição de um gênio”, os álbuns de Elza eram sucesso de crítica mas não conquistavam grande público. Entre comunhões sexuais extasiantes, bebedeiras violentas, pancadaria e sambas inovadores e viscerais Elza cantava para sustentar o marido e os filhos, ajudar as amantes e ex-mulheres de Mané, afasta-lo do álcool e manter-se lúcida. Lucidez que rendeu ótimos álbuns como “Elza Pede Passagem” de 1972, clássico do samba-soul marcado pelo naipe de metal das suingadas Cheguendengo, Saltei de Banda, Maria vai com as outras e a estupenda O Gato.

01. Cheguedengo
02. Saltei de banda
03. Maria vai com as outras
04. Samba de pá
05. Abc da vida
06. Barão Beleza
07. Rio carnaval dos carnavais
08. O gato
09. Pulo pulo
10. Amor perfeito
11. Mais do que eu







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