Sullivan e Massadas no idílico mundo das botas brancas

Nesse espetáculo iluminado por sóis de espuma e tinta guache, aprendíamos a suprimir as frustrações repetindo o mantra "sonhar é poder" entoado logo no café da manhã ao mastigarmos o pão velho com manteiga e sem mordomo pra nos servir.

The Runaways: Serotonina inundando os ouvidos.

O debut é uma overdose de serotonina e estrogênio inundando os ouvidos, inflamando os sentidos, deixando os mamilos dormentes e uma vontade doida de trepar.

Do right woman! A frágil irmandade feminina

Enquanto os homens são capazes de machucar o meu corpo, as mulheres têm o poder de destruir minha alma.

Janele Monáe: Andróide do Pop

Janelle Monae lança mão de todos os ingredientes disponíveis para o sucesso de uma diva pop: estilo musical da moda (hip hop), batida e refrões marcantes, duetos, empolgação, romantismo.

Gang 90: O primo pobre da Blitz

Um sonho estranho nas paredes do prédio, prefiro morrer de vodca do que de tédio.

10/10/2011

Sullivan & Massadas no mundo das botas brancas


Pompons coloridos ao vento do ar-condicionado, um homem vestido de mosquito simula tocar uma guitarra de esponja, adolescentes coxudas dançam em volta de uma gringa fantasiada de cacique western que convida as crianças a brincarem de índio enquanto é observada por nativos perplexos, tapando suas vergonhas sob calções da Umbro.

Xuxa, Mara Maravilha e outras manequins eram a porta-vozes da febre indianista que dominou os anos oitenta. Sem poesia, métrica ou nacionalismo, mas recheado de mensagens idílicas; o resgate do índio era mais um artificio para colorir o mundo de chocolate dos programas infantis em pérolas como índio ficou sozinho/índio querer carinho/índio querer de volta a sua paz ou Tuiuiu iu iu/ Sou curumim iê iê/ Tuiuiu iu iu/ Sou curumã arauê.


Bem aventurados os que estudavam à tarde. A eles que o idílico mundo das botas brancas se desvelava sem corruptelas: naves espaciais com efeito néon, desjejum de rainha, mascotes com nomes de doença epidêmica, lições de bom mocismo para as crianças de apartamento e  lolitas de shorts em rituais satânicos subliminares. 

Faz de mim estrela, que eu já sei brilhar!
Nesse espetáculo iluminado por sóis de espuma e tinta guache, aprendíamos a suprimir as frustrações repetindo o mantra "sonhar é poder" entoado logo no café da manhã ao mastigarmos o pão velho com manteiga e sem mordomo pra nos servir; a procurar compensações pois quem não tinha genes germânicos dominantes para ser paquita podia preconizar a puberdade com os dorsos nus e sem pêlos dos paquitos e a vislumbrar príncipes encantados em espécimes improváveis como o desastrado entregador de pizza encorajado por uma skatista de doze anos de Lua de Cristal.

Não importa se falta inteligência, sorte e Marlene Mattos em sua vida; com fé no cara lá de cima era possível realizar todos os sonhos desde mandar beijos pra mamãe e papai em rede nacional até enfeitar o céu com as cores do amor. Contudo, não era somente com sertralina, mantras otimistas, merchandising e "xuxes" que o mundo da alegria inesgotável se sustentava: refrões grudentos eram essenciais na tarefa de espalhar a boa nova e a dupla de compositores Michael Sullivan e Paulo Massadas eram os principais apóstolos.

Muito além de ilariês, Sullivan e Massadas eram os hitmakers do cancioneiro infantil ao produzirem o grupo Trem da Alegria. Os versos da dupla abrangiam todas as fases da infância e pré-adolescência desde mundos fantásticos e jogos de linguagem (É de Chocolate, Uni Duni Tê), descoberta do amor (Pique-pega esconde Pra ver se cola), reverência a ídolos fora de atividade, fenômeno típico da  puberdade (O Atleta do Século) e anseio por independência na surpreendente Certo ou Errado de Patrícia Marx em carreira solo (Quem não pula o muro/ não aprende a se arriscar/ .../Deixa a vida me ensinar/Eu vou provar/Pra saber escolher).


Sonho encantado onde está você?

No universo das apresentadoras infatilóides, as letras da dupla foram revestidas com clichês de auto-ajuda (Lua  de Cristal), reverência à "rainha" (I Love you, Xuxu), otimismo inebriante (Arco Íris) e mensagens baratas de conscientização somadas ao canto claudicante de Xuxa. Mesmo assim, os mestres Sullivan e Massadas mantinham a excelência lançando mão de solos de guitarra e linhas de teclados lisérgicas, colocando um sabor agridoce neste reino hiperglicêmico.

Com explosões matinais de alegria, o mundo das botas brancas desfraldava a bandeira da realização implacável dos sonhos sem a hipótese de que o algodão-doce poderia virar fumaça. Xuxa é o ícone de uma geração que encara a felicidade como um direito inalienável, onde o sofrimento é um erro ou sinal de doença e as intempéries podem destruir a noção de felicidade.

1.     Certo ou Errado - Patrícia Marx
2.     Festa do Amor - Patrícia Marx
3.     Sonho de Amor - Patrícia Marx
4.     É de Chocolate - Trem da Alegria
5.     He-man - Trem da Alegria
6.     Iô-iô - Trem da Alegria
7.     Pique-pega escone - Trem da Alegria
8.     Pra ver se cola - Trem da Alegria
9.     Thundercats - Trem da Alegria
10. Tic tac do amor - Trem da Alegria
11. Uni duni tê - Trem da Alegria
12. Arco íris - Xuxa
13. Brincar de índio - Xuxa
14. I love you Xuxu - Xuxa
15. Lua de Cristal - Xuxa

    10/05/2011

    Neusinha Brizola: Mintchura new wave

    Ao vencer nas urnas e no grito as eleições para governador do Rio de Janeiro em 1982, Brizola não imaginara que o seu calcanhar de Aquiles dormia no quarto ao lado após se acabar na noite do Baixo Gávea.


    Vítima de uma tentativa de fraude arquitetada pelo Governo Militar, em parceria com as Organizações Globo, que tentou impedir sua eminente vitória; Brizola se antecipou e denunciou a fraude eleitoral para a imprensa estrangeira. Desmoralizado, Roberto Marinho detectou na tresloucada herdeira de Brizola um meio de atingir a credibilidade política de seu desafeto. 

    O bote da Som Livre
    Companheira de farra e de pó de artistas globais e músicos do nascente Brock80, Neusinha Brizola foi contratada pela gravadora do clã Marinho, a Som Livre, nos primórdios de 1983. Gozando de suspeita liberdade artística para uma estreante e ampla divulgação na mídia, Neusinha encarnava a paródia de si própria ao cantar no programa do Chacrinha a profética Mintchura.New wave farofa que narrava suas desventuras ao aceitar o convite para uma festa onde estaria a Blitz: Chegamos em um bairro afastado numa rua escura/ O prédio era tão velho que não tinha nenhum elevador/ A cobertura era uma kitnet a festa era mintchura/ mintchura... mintchurá.


    A estréia em um LP próprio, dispensando a prova de fogo da vendagem de compactos, e o clipe de Mintchura produzido pelo Fantástico evidenciam a intenção da Som Livre em patrocinar e divulgar o resultado das rédeas frouxas que Brizola mantinha em seus domínios. Produzido pelo mago Paulo Coelho, o álbum compila onze canções compostas em parceria com o roqueiro gaúcho Joe Euthanazia.


    Inconstante, o canto de Neusinha é ora anasalado, ora infantil, recheado de efeitos sonoros com rotações alteradas; o clima é alegre e a linguagem sonora é uma mescla de onomatopéias de HQ e interpretações de teatro performático em versões para Geraldo Vandré e Beatles (Back In The U.S.S.R. virou Voltando a Nova Iguaçu, por exemplo).


    O LP era uma mintchura inocente e engraçada a cada rotação por minuto.

    A Sacerdotisa do Mate: o PT é muito Piazza
     Sob o lema da diversão e bom-humor, a “primeira-filha” quebrava o protocolo fazendo a alegria da oposição em escândalos sucessivos como o ensaio de capa da Playboy (embargado na porta da gráfica por Brizola), a extravagante cerimônia de casamento onde se vestira de Cleópatra para receber a benção do grã-vizir Paulo Coelho e suas constantes visitas aos morros cariocas e delegacias imortalizou a gíria “cheirar Brizola” como sinônimo de usar cocaína.


    Inspirada pela campanha do pai, Neusinha propagandeava os fundamentos do Movimento Anarquista Tropicalista Energético (MATE): um ajuntamento pseudo-cultural, fundado em mesa de bar, que possuía meia dúzia de integrantes no qual Neusinha se auto-proclamava sacerdotisa. Nas páginas amarelas da Veja, ela definia o que era “ser mate”: é gostar da cidade, parar de ser contra o progresso, curtir tecnologia e parar com aquelas manias dos anos 60, de fugir para o campo, comer pão integral, andar com cabelo comprido e cheio de lêndea. Isso tudo é o “antimate”, é ser piazza.

     
    Com muito escracho o MATE revelava a identidade do brasileiro criado na apatia da Ditadura: alheio a dicotomia política; crítico ao desapego material esquerdista; adepto da terceira via política e sexual e ansioso pelas delícias do desenvolvimentismo.E Neusinha confirmava: Piazza é a mania de ser hippie. Asa delta, surf, comida natural – tudo o que vira muito sério, meio religioso. O PT é muito Piazza!!! 


    Neusinha - Neusinha Brizola aqui!! 


    Neuzinha Brizola by mestradosmagos on Grooveshark


    26/04/2011

    Julia Graciela: Mulher moderna usa Assolan

    Madonnas ou Amélias, submissas ou independentes, mulher-fruta ou mulher-cesta básica; não importa o rótulo e sim o fato: lugar de mulher é na cozinha.

    Não, não é falta de corporativismo da minha parte. A verdade foi revelada nos reclames do Jornal Nacional e proclamada por um velho companheiro das mulheres. Atrás de uma bancada cheia de produtos de limpeza Marisa Orth, Monica Iozzi e Dani Calabresa se revezam em xingamentos violentos e ironias toscas afirmando que mulher evoluída é quem zela e luta pelo asseio da privada, o fogão desengordurado e o extermínio dos ácaros.

    Que se danem as greves nas portas das fábricas, esqueçam os debates sobre a pílula e a conquista de direitos milenarmente masculinos. Simone Beauvoir, quebrou tabus por uma só causa: a liberdade de xingar os maridos sem levar uns sopapos. Com um Bombril na mão e a Lei Maria da Penha embaixo do braço, nada irá nos deter!

    É fácil imaginar a satisfação das donas-de-casa ou adeptas da dupla jornada, escondendo um sorriso no canto da boca e repetindo a si mesmas, logo após o comercial, o rosário que desfiam com as amigas: é isso mesmo, homem só serve pra aquilo e olhe lá. “Aquilo” que é tratado como elemento sacro da relação, é tema discutido, esmiuçado e responsável por zilhoes de preocupações; “aquilo” que as mulheres-bombril dizem ser bem-resolvidas enquanto na verdade mal tocaram o próprio clitóris.

    Posam de femme fatale, de personagem dos clipes da Rihanna enquanto não passam de arremedos da Julia Graciela.

    Sonhos desbotados
    Presença constante no programa do Chacrinha, Julia Graciela tornou-se conhecida pela crônica cantada Anúncio de Jornal. Uma mini tragédia com aroma de Mon Bijou: em tempos que não havia processo por assédio sexual, a história da moça intocada que é seduzida pelo chefe, e depois de apaixonada, desvirginada e amaciada é demitida sem justa causa metia medo nas estudantes do curso de datilografia.
      Julia graciela - Anúncio de Jornal 

    Autora de pérolas da submissão emotiva como Não interessa se eu sou a outra/o importante é ter você (Eu sou aquela); as canções da argentina são o supra-sumo de tudo aquilo que as mães e tias nos ensinam a ser em matéria de relacionamento: insegura, ingênua, masoquista, submissa, suplicante por raspas e restos de afeto. Defeitos que passamos a vida toda tentando consertar.

    Ao longo dos anos oitenta o fatalismo e auto-piedade de ícones como Julia Graciela, Diana e Perla foi soterrado pela imagem da mulher autosuficiente, poderosa e decidida. Onde “mulherzices” que o feminismo lutou por abolir (fragilidade, dependência econômica, instabilidade emocional) só são reivindicadas quando convém;  isto é nos livramos da obrigação de lavar cuecas mas ainda exigimos que o homem mantenha seu papel de macho provedor.

    Destilando a misandria  
    O movimento feminista se perdeu na curva, diluiu-se em demonstrações de misandria (termo quasedesconhecido que define a aversão gratuita e radical ao gênero masculino). Perdeu o propósito na futilidade disfarçada de sexualidade voraz das personagens de Sex and the City, nos suvacos peludos de Beth Ditto e na burrice das mulheres-frutas. Pois ao reivindicar a liberação sexual e a divisão democrática do trabalho, as companheiras exageraram na dose e dividiram-se entre mulher-objeto e mulher-abjeta.

    A sensualidade a flor da pele das divas pop alimentou o monstro do corpo perfeito e erotizado, construído para provocar ereções a cada passo e sempre disposto para o sexo. Auto-proclamadas independentes e modernas, nós, anônimas, cedemos a submissão ao buscarmos obstinadamente o orgasmo mais intenso, a sinfonia de assovios e os olhares mais devassos.  Tentamos ser Barbie, enquanto as amarras da normalidade, fiéis a lei da gravidade, gritam que somos representadas por Bridget Jones e Maitena. 

    As abjetas exploram até as últimas conseqüências a pertinência de uma noção arcaica do consciente coletivo: mulheres são boas selvagens (tal como os índios) não importa a ordem e a dimensão de suas falhas, a culpa é e sempre será do homem – por exemplo se ela trai, foi o homem quem deixou de satisfazê-la. Para elas , a mulher é superior por ter um ventre e a negatividade estrutural e ética da humanidade emana das virilhas peludas dos machos. 

    Na pretensão de representar a mulher moderna, a campanha do Bombril presta um desserviço a igualdade dos sexos. Ao imaginar que a nossa felicidade é uma liquidação de Pinhobril, Marisa e companhia destilam misandria camuflada de piadinha e concomitantemente reforçam a noção de mulher-objeto, sempre disponível e dedicada ao homem seja na cozinha ou na cama.  

    Feita para amar e ser só perdão, Julia Graciela com suas doses homeopáticas de lamúrias e sofrimento é a lembrança insistente de que a busca por autonomia nao suprime o desejo feminino de ter um macho pra chamar de seu. 
      
    A Popularidade de Julia Graciela aqui!
    01. Anúncio De Jornal
    02. Por Amor Demais
    03. Amantes
    04. Despedida
    05. Coração Rebelde
    06. Talvez Foste Tu
    07. La Canción Del Te Quiero
    08. Saudade De Você
    09. Eu Sou Aquela
    10. Sem Você Não Tenho Nada
    11. Manuela Mulher
    12. Amiga Do Vento
    13. Desiludida
    14. Escreva-Me Uma Carta




    O FILME: Uma curiosidade é que "Anúncio de Jornal" virou filme com o mesmo título, rodado na boca do lixo paulistana em 1984, sob a direção de Luiz Gonzaga dos Santos, seguindo uma tendência da época de transformar em película clássicos da música popular. 

    13/04/2011

    Retratos do Brasil: é tudo pose

    O pica das galáxias
    Músico, graduado em Direito, poliglota e judeu convertido. Homem generoso que não poupa esforços pelo conforto da família e amigos. Criado em uma família de classe média alta, por amor a sua origem humilde e identificação político-ideologica logo cedo envolveu-se com os líderes  do morro do Borel e passou a cantar sobre o cotidiano sofrido de seu povo em pérolas poéticas como   Passa o pau na cara dela ,  Ela mama no meu ganso  e  Bumbum não se perde

    Com versos machistas, meias verdades e exposição de esfíncteres, MC Catra conquistou corações e mentes (vazias) do morro e do asfalto por diferentes razões. Para as fãs as músicas de Catra são a oportunidade de exibir o corpo e se esfregar em todas as virilhas peludas disponíveis, numa demonstração refinada da sensualidade brasileira. Para os sociólogos, formados nos programas da Regina Casé, Catra corporifica a criatividade do “povo” - afinal fazer versões despudoradas de canções pré-existentes é coisa que só a sagaz cabeça do brasileiro pode fazer. Para os homens, ele lembra aquele colega da oitava série,bagaceiro e sem noção, que mostra o pau pras criancinhas e aterroriza as tias velhas torpedeando palavrões a cada olhar enviesado. 

    O porra louca, o maluco, o vilão.
    Multi-instrumentista, um dos fundadores do Brock e ateu convicto. Homem mordaz que coleciona desafetos e polêmicas. Virou ícone de uma geração com a qual não se identificava, entrou no mainstrean como integrante da Blitz mas abandonou a banda às portas do sucesso, enfileirou hits na carreira solo mas comprou briga com as gravadoras, cheirou milhas de cocaína, foi preso diversas vezes por porte de drogas e ficou na cadeia por três meses.

    Na penitenciária de Bangu, dividiu a cela com os líderes do Comando Vermelho, tornando-se uma espécie de mascote da facção durante anos.  Enfrentou a turba enfurecida no Rock in Rio 2 por tentar fundir rock com a bateria da Mangueira, é persona non grata  entre artistas e executivos por lutar  pela numeração dos discos e fez um dos melhores  álbuns da "axé-zenta" década de 90. Sua trajetória inconstante, a paranóia de que Herbert Vianna o imita e o despudor em criticar colegas e denunciar os esquemas sórdidos da indústria fonográfica colocaram Lobão no rol dos artistas loucos, problemáticos, quase irremediáveis.  Ignorado pelas rádios, excluído do revival oitentistasua carreira oscila entre o sucesso e o fiasco.

    Antimonotonia e bundamolice
    Verborrágicos e provocadores Catra e Lobão lançaram na mesma época a versão oficial de suas trajetórias: o documentário 90 dias com Catra e a autobiografia Lobão – 50 anos a mil

    Lobão não poupa afetos e inimigos, destilando em mais de 600 páginas aquilo que o brasileiro mais abomina: pensamento crítico, ateísmo, indiferença com a instituição família. Pois aqui, critica é levada para o pessoal, duvidar da existência de Deus é ofensa e admitir que o vínculo familiar não basta para amar é doença. Alheio ao clima de “deixa disso” e “não-comprometimento”, o compositor desafia a “bovinice” brasileira a cada entrevista tendo como único censor as reminiscências das doses cavalares de cocaína.

    Em tempos em que pose é tudo, Catra personifica a canalhice consentida e se apresenta como o rei da boiada. Na mira da PM devido aos “proibidões” (funks que exaltam a bandidagem e incitam a violência contra policiais), o funkeiro poliu sua imagem investindo pesado na temática predileta do brasileiro: putaria.
    Catra não é formado em Direito, cursou somente dois anos, mas no Brasil ser quase um doutor já dá status de pessoa “estudada” que deve ter suas opiniões respeitadas por default. Sexualmente libertário porém machista, cercado de amigos, filhos e esposas Mc Catra distribui conselhos, gargalhadas e ignorância geral entre goles de cerveja, salsichão e maconha: mulher é feliz hoje, se vivesse na Idade Média e fosse gostosa ia morrer queimada porque aqueles caras eram tudo viados, não gostavam de gostosa ou  Tu precisa estudar. Teu pai estudou muito, hoje já não preciso ler pois já sei o que tá escrito.

    Harmonizando a imagem de cafajeste mas bom pai; de homem simples  porém culto; o resultado de 90 dias com Catra é um mosaico de meias-verdades e demonstrações patéticas de pseudo-inteligência.Catra ganha louros e respeito por ser um retrato do brasileiro médio: bundamole, cafajeste, hipócrita, irresponsável, impressionável com a pose sem pensar na essência, é o pica das galáxias. Lobão, por ser polêmico, é tachado de violento, virou caricatura e tem sua personalidade diluída em meros adjetivos: porra-louca, maluco, vilão. É o veneno antimonotomia contra a bundamolice da MPB.














    31/03/2011

    Toda tosquice será perdoada: a trilha de Maria

    Quatro horas sob tortura: hematomas, cansaço, água fria e trombadas contra a parede. Os corpos cansados mergulham no silêncio para resistir a tentação de entregar os pontos;  até que num rompante non-sense ela canta esganiçada e alegremente: Já chegou, já chegou/Novamente a bonança/Todo mal já passou/Já voltou a esperança/Vamos dançar e namorar/Sempre alegre ser/Vivendo assim a sorrir/ A vida tem mais sabor/ É o tempo do amor.

    Poderia ser Wanderléa abrindo os trabalhos no álbum homônimo, saudando o tempo do amor no alvorecer da ditadura militar; mas é somente Meg Maria Merillo em mais uma demonstração da irritante e pavorosa alegria dos ignorantes. Ignorância que quando confinada nas curvas de uma fêmea é mais atributo do que ofensa, atrai testosterona, perdoa tosquices e gera grana, muita grana.

    Depois de agraciar os gays e desvalidos, faltava romper o penúltimo grilhão contra o opressor – o homem branco, hétero e remediado - e conceder o prêmio para uma representante do sexo frágil. Ou em uma fala bialesca, agraciar uma deusa que passeou distraída pela Ágora tropical que uma década de BBB criou. 

    Mata-me depressa: de Maria Madalena Meg a simplesmente Maria

    Tal como os um album de Wanderléa, amor, separação, dor e vingança boba andaram de mãos dadas na trajetória de Maria. Com a urgência típica dos adolescentes envolveu-se cedo com um dos participantes; enviuvou em um luto que diluiu-se após duas latas de cerveja e na aparição de um outro alguém.

    Mas o ex voltou das trevas do “mundo lá fora” com sangue nos olhos, sentindo-se traído pelo passado e presente como Meg e ela passou a exalar por todos os poros masoquismo e auto-piedade, incorporando a Ternurinha da Jovem Guarda em escândalos que só são bonitos nas canções de dor-de-cotovelo: eu quero tanto um pouco de carinho/não me maltrate/não seja tão ruim/está em seus olhos que você gosta de mim, suplicava embaixo do edredon ou atirando a calcinha no rosto do seu algoz. Cansada de se humilhar sem ganhar um mililitro de saliva, leu algumas páginas de um manual para conquistar homens, fez uma prova de fogo com o ex e saiu por aí repetindo o consolo dos rejeitados: ele não me merecia.

    Entregou-se a outro bem, para delírio do público feminino que via os conselhos de mãe se concretizar em tempo recorde: pare de chorar, logo logo você vai encontrar alguém melhor que ele. E pra coroar a sorte grande, o novo amor de Maria era um doutor que ostentava cavalheirismo (ou bananice?) e beleza em altas doses; que não hesitou em protegê-la mesmo ciente de que ela jamais hesitou em votar nele para a eliminação.

    Enquanto os colegas de confinamento brigavam por miudezas como combinação de votos, alianças sexistas e auto-marketing para faturar um milhão e meio de reais, Maria viveu o programa como uma guria de 13 anos em férias de verão: só pensava em amar e ser amada - verbo conjugado no tempo etéreo, onde qualquer atração é impar e arrebatadora.

    Bial e alguns analistas teimam em acreditar que a vitória é um sinal de ruptura no conservadorismo da moral do brasileiro - uma mulher dadivosa, que ficou com dois homens no programa, que dizia aos quatro ventos que sentia falta de sexo, conseguiu conquistar a preferência do públicoe que a auto-flagelação de Maria foi assunto em botequins e rodas de café.

    Ledo engano, o público do programa é afeito a narrativa folhetinesca e ao encarnar a mocinha apaixonada e rejeitada, Maria eclipsou Meg e seu passado obscuro disponível em qualquer sextube. Conquistou o público feminino que identificou-se com alguém que erra por “amar demais”, e o séquito masculino pela beleza e burrice, pois é bonitinho e meiguinho ser burra (para alguns incautos é  até sinal inconteste de feminilidade).

    Maria ganhou o milhão e meio por ser exatamente o que se espera que uma mulher seja: burra, traíra, sentimental, inofensiva e inconseqüente.  


    Ouça a trilha de Maria: Wanderlea - 1967 



    Faixas:
    01. Gostaria de Saber
    02. Nenhuma Carta Sua
    03. Vou lhe Contar
    04. Você Tão Só
    05. Ele é Meu Bem
    06. Menina Só
    07. Hei de Encontrar Meu Bem
    08. Acho que Vou lhe Esquecer
    09. Horóscopo
    10. Te Amo
    11. Prova De Fogo
    12. Meu Bem Só Gosta de Mim
    13. Vou Conseguir
    14. Vou lhe Deixar

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